segunda-feira, 30 de novembro de 2009

ESQUEÇAM O QUE EU FIZ

Madre Cristina foi uma religiosa doce e corajosa, que teve participação ativa na resistência à ditadura militar. Foi ela que, em 1963, conduziu José Serra, então estudante da Escola Politécnica da USP, à sua primeira disputa política: a Presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE). A madre viveu o suficiente para ver seu pupilo voltar do exílio imposto pelo golpe militar de 1964 e brilhar na política nacional, mas não para vê-lo se eleger governador do estado mais rico do país: ela morreu em 1997, aos 81 anos de idade. Madre Cristina se decepcionaria ao ver o ex-líder estudantil mandando a tropa de choque para enfrentar manifestações estudantis na USP, em junho último, numa greve de funcionários da universidade. E ela também teria muita dificuldade de entender a recente decisão do governador tucano, de ignorar uma vontade majoritária da USP e nomear como reitor o segundo mais votado da lista tríplice do Conselho Universitário, o diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, João Grandino Rodas.
Ao contrariar o desejo da maioria, Serra não feriu nenhuma lei, já que o governador não é obrigado a indicar o mais votado pelo Conselho Universitário. Isso posto, convém notar que o tucano quebrou uma tradição que vinha sendo seguida desde que os brasileiros recuperaram o direito de escolher seus governadores pelo voto direto, em 1982, quando foi eleito André Franco Montoro, homem conhecido pela tolerância e de quem, aliás, Serra viria a ser secretário da Fazenda. Antes de Serra, a última vez que um mandatário paulista ignorou solenemente o vencedor da lista tríplice da USP foi em 1981, em plena ditadura, quando o governador biônico (como eram conhecidos os mandatários que não eram eleitos diretamente) Paulo Salim Maluf escolheu como reitor da USP Antônio Hélio Vieira, o quarto entre seis nomes.
Em contraste com seu passado combativo, o governador Serra vem se mostrando pouco afeito ao diálogo com a comunidade universitária. Já em 2007, ele baixou um decreto determinando que os recursos orçamentários das universidades públicas estaduais deveriam ser sujeitos à liberação pela Secretaria Especial de Ensino Superior, controlada pelo próprio governador. Foi uma afronta à autonomia universitária, um status que havia sido arrancado pela ditadura militar e que foi reconquistado a duras penas no processo de redemocratização do país. Como os alunos ocuparam o prédio da Reitoria da USP em protesto, o governador acionou tropas da Polícia Militar para cumprir um mandado de reintegração de posse expedido pela Fazenda Pública. A situação só não se deteriorou porque a reitora Suely Vilela preferiu o caminho da negociação. E ela foi muito criticada por integrantes da entourage do Palácio dos Bandeirantes por não ter permitido que a polícia entrasse no campus.
Se o confronto foi evitado em 2007, em junho deste ano, infelizmente, voltamos a assistir cenas que não víamos desde os tempos dos “anos de chumbo”: a tropa de choque da Polícia Militar jogando bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha contra estudantes no campus da USP, que revidavam atirando pedras contra os policiais. Foi por ocasião de uma greve de funcionários que recebeu a adesão dos alunos. A paralisação teve fim depois de 57 dias, com o atendimento parcial das reivindicações dos funcionários. Mas o confronto poderia ter sido evitado se o governador tivesse mostrado mais disposição para o diálogo ou maior habilidade política para enfrentar a crise. É preciso reconhecer que, entre as virtudes de José Serra, não consta a de ser um hábil negociador.
Talvez o governador pudesse aprender com o professor Aloísio Teixeira, reitor da UFRJ. Em 1998, ele foi o mais votado para ocupar o cargo reitor, mas o então ministro da Educação, Paulo Renato – hoje secretário de Educação de José Serra –, não o indicou para o cargo. Em 2003, Teixeira foi novamente o mais votado e, desta feita, foi nomeado. Encontrou uma universidade em pé de guerra, mas soube pacificá-la sem precisar chamar a polícia. Em 2007, o professor Teixeira foi reeleito com 89% dos votos. Serra também poderia ter a humildade de aprender com o presidente Lula, que procura auscultar a comunidade acadêmica e faz reuniões periódicas com os reitores das universidades federais.
Mas não. Ao preterir o nome que tinha apoio maciço do Conselho Universitário, o do professor Glaucius Oliva, o governador agiu à maneira dos czares da Rússia, que baixavam ucases (decretos sumários) sem considerar os interesses da comunidade. É lamentável que alguém que um dia foi presidente da UNE e que tenha sido obrigado a se exilar pelos militares tenha chegado a esse ponto. É como se Serra dissesse: “esqueçam o que eu fiz”. Madre Cristina não merecia mesmo ter um desgosto desses.

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