terça-feira, 9 de março de 2010

NAI E FUNDAÇÃO CASA (COM A PALAVRA, O PADRE AGNALDO)

Reproduzo abaixo o artigo do padre Agnaldo, com sua devida autorização, onde ele analisa e comenta os fatos envolvendo o NAI e a Fundação Casa, ocorridos no último dia 3 de março, em São Carlos. Boa leitura a todos!

NAI E FUNDAÇÃO CASA: A RETIRADA DA UNIDADE DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA

Pe. Agnaldo Soares Lima

Quando no ano 2000 São Carlos deu início ao processo de criação e instalação do Núcleo de Atendimento Integrado (NAI) na cidade – experiência pioneira e que se tornou referência no trato com o adolescente autor de ato infracional – tivemos como parceiro importante e privilegiado o Estado, através da Fundação Casa, na época ainda chamada de FEBEM (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor).

Foi um ano de inúmeras reuniões, visitas, entendimentos para que o então Secretário Estadual da Assistência Social e o Presidente da FEBEM inaugurassem solenemente o novo programa no dia 8 de dezembro de 2000, juntamente com as autoridades locais.

Passados nove anos e não obstante os significativos resultados, o que assistimos é um movimento contrário: com pouco ou nenhum diálogo, o Estado e a Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente) se retiram da parceria com sua atividade mais significativa dentro do programa, que era a Unidade de Internação Provisória (UIP).

Por aquilo que me coube como participação na construção deste projeto – ao lado do Dr. João Baptista Galhardo Jr., então juiz da Infância e Juventude de São Carlos – e como cidadão do nosso Brasil, uno-me ao sofrimento das autoridades públicas e aquele de toda a nossa comunidade sãocarlense, em especial dos nossos adolescentes, por mais esta atitude tempestiva do governo do Estado de São Paulo.

Tomo, neste momento, a liberdade de compartilhar a reflexão que faço diante de tal situação:

1) Lamento profundamente a atitude do Governo Paulista não por terem saído do NAI, o que na prática já havia feito desde três ou quatro anos para cá, quando definitivamente deixaram claro que não comungavam dos mesmos princípios e da mesma filosofia que sempre moveu este projeto, de tratar com dignidade e respeito os adolescentes em conflito com a lei. Os que estavam mais próximos sabiam que a truculência física e moral adotada como método pelo até então diretor da Unidade de Atendimento Inicial (UAI) e da UIP feriam e manchavam a marca registrada deste programa e que sempre o distinguiu no trabalho ali realizado.

2) Na verdade, lamento a saída do Estado de dentro do NAI, porque sela definitivamente o descompromisso do atual governo com qualquer proposta que venha propiciar recuperação digna para adolescentes em cumprimento de medidas sócio-educativas no Estado de São Paulo. Insiste em um falido modelo prisional e se distancia cada vez mais daquele proposto pelo Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo (Sinase). Vale destacar que não simplesmente declarou publicamente o seu afastamento de um programa executado no município de São Carlos, mas abandonou mais uma vez princípios legais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), visto que o NAI está preconizado no Artigo 88, V do ECA, bem como no Sinase.

3) Fico feliz, porque o referido Governo do Estado não precisará mais sustentar que integrava o NAI pelo fato de que injetava ali recursos financeiros, fazendo-o, porém, sem valorizá-los, uma vez que deixava para trás o que era mais importante: uma efetiva ação em rede, articulada e integrada, que é o primeiro elemento constitutivo do trabalho ali realizado. Exatamente por isto leva o nome de Núcleo de Atendimento Integrado.

4) Não perdemos um Programa exitoso em nível de Brasil. Perdemos apenas um parceiro, que tendo sido de fundamental importância na implantação e nos primórdios do NAI – como disse, solenizando inclusive sua inauguração com a participação do Secretário de Estado da Assistência Social e do Presidente da FEBEM – sai agora pelas portas do fundo e na calada da manhã, talvez por ter consciência do ato vergonhoso que pratica. É importante que se deixe claro, porém, que perdemos este parceiro e não o programa do NAI. Este é infinitamente maior do que o serviço de internação provisória pelo qual o Estado era ali responsável.

5) Não ficou só a UAI, também esta de responsabilidade da área de segurança pública do Estado. Permanecem ali os principais serviços que marcam este programa: a acolhida no momento da apreensão do adolescente; a integração com as polícias civil e militar (mesmo que não atuem no interno físico do prédio, mas que conduzem até ali os adolescentes); o serviço social que recebe o adolescente e sua família e que permite olharmos para a pessoa do jovem ali conduzido e não apenas para o ato infracional por ele praticado; permanece a possibilidade do serviço de saúde e de psicologia, que funcionando bem estruturado tem relevante papel para a orientação do adolescente ali conduzido; permanece a integração com o Ministério Público e o Poder Judiciário que podem continuar a se valer dos relatórios ali produzidos pelo serviço social e de psicologia para que se possa cumprir devidamente a aplicação da medida sócio-educativa adequada; permanece o serviço de encaminhamento para os programas da rede no que tange às ações dos Salesianos com as Medidas de Prestação de Serviço à Comunidade e de Liberdade Assistida, do Conselho Tutelar, do Centro de Atendimento Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS a/d), da Educação, das Entidades e Centros Comunitários, do Centro da Juventude, da Assistência Social, da Guarda Civil Municipal com seu importante suporte na recepção dos adolescentes; do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) que aos poucos vai se estruturando para garantir a ampla defesa.

6) Há sempre que se lembrar que o serviço da UIP acolhia 10%, ou menos até, dos adolescentes que passavam pelo NAI, visto que atendia somente os casos mais graves. Os demais serviços que permanecem é que respondem por 90% dos atendimentos e realizam a verdadeira ação preventiva dentro deste serviço. Se São Carlos demonstrou a nível nacional ter o menor índice de vulnerabilidade à violência dos seus adolescentes, não é com certeza porque tínhamos a internação provisória dentro do NAI, mas sim pela ação preventiva e rápida que fez com que a grande maioria dos adolescentes que por ali passaram nestes anos não tenha continuado sua trajetória no crime.

7) A demagogia não venceu a ideologia! Apenas se afastou! Deixa-nos o espaço e a responsabilidade para qualificarmos mais e melhor todos os serviços que ali devem continuar, se renovar e ampliar para ocupar o novo espaço do NAI que está sendo construído. Sirva-nos este momento para uma retomada mais forte de consciência da responsabilidade que nos cabe e para que se acelerem as revisões e acertos que se fazem necessários para que a ação em rede se qualifique com o funcionamento da Rede de Atenção à Criança e ao Adolescente (Recriad) e com a otimização de todos os demais serviços.

8) Tenho certeza de que dias melhores virão. Só precisamos seguir em frente e persistir em nossas convicções e lutas.

"A VERDADE É FILHA DO TEMPO, NÃO DA AUTORIDADE”. (Francis Bacon)

Que Dom Bosco, que já no seu tempo enfrentou e lutou para salvar os jovens das prisões de Turim, e que dá o seu nome ao novo NAI em construção, continue a nos orientar e animar.


* Pe. Agnaldo Soares Lima (Brasília, 3 de março de 2010 -Encontro Nacional de Diretores Salesianos)

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